sábado, janeiro 24, 2009

Entrevista e Critica no Jornal Publico, por Nuno Pacheco, a 19-12-2008.



Joana Amendoeira

Fados de uma noite de Verão

19.12.2008
Por: Nuno Pacheco

Foi gravado ao ar livre, no Verão, e ficará como um testemunho da evolução fadista da jovem Joana Amendoeira. Com Mar Ensemble e o Tejo ao fundo. Uma ideia que nasceu noutro litoral, o do Algarve, como ela lembra aqui.

Joana Amendoeira tem apenas 26 anos mas já leva um longo caminho no fado. O disco que agora lança, resultante de um espectáculo integrado nas festas da cidade de Lisboa, é o sexto da sua carreira. O primeiro, gravou-o aos 15 anos, imatura mas já com garra. Chamava-se "Olhos Garotos" (1997). Depois vieram "Aquela Rua" (2000), "Joana Amendoeira" (2003), "Ao Vivo Em Lisboa" (2005), "À Flor da Pele" (2006) e "Joana Amendoeira & Mar Ensemble" (2008), que agora chega às lojas, em CD com DVD.

"Desde os seis anos que o fado aconteceu e eu nem me lembro, tenho apenas os relatos da família que me dizem como é que eu comecei a cantar", diz. Nascida a 30 de Setembro de 1982, em Santarém, concorreu à Grande Noite do Fado com apenas 11 anos. "Antes tinha participado em festas na cidade de Santarém, coisas muito restritas, mas quando pisei pela primeira vez o Coliseu dos Recreios fui conhecendo vários fadistas e músicos que me foram dando grandes ensinamentos e muito apoio. Tem sido um crescimento estruturado, com calma. E tenho vindo a criar alicerces, penso que mais seguros."

Em 1998, actua pela primeira vez fora do país. Começou por Budapeste, na Hungria, e já lhe somou vários outros palcos, em África, Holanda, Espanha, França (onde actuou em 1999 com Carlos do Carmo, em Paris, num concerto que lhe abriu novas portas), Áustria, Itália, Alemanha, Brasil, Estados Unidos, Canadá, Japão e Rússia. Enquanto em Portugal começa a cantar (ainda canta, aliás) no Clube de Fado, de Mário Pacheco.

Joana já gravara um disco ao vivo, no São Luiz, e agradou-lhe a experiência. "Gostei muito, pela noite que foi vivida e que ali transparece. Pessoas que não estiveram lá ao ouvir o disco também sentiram essa emoção."

Este que agora é lançado, gravado ao ar livre no Castelo de São Jorge na noite de 21 de Junho de 2008, trouxe ao seu percurso "várias novidades: novas músicas e um conceito muito original". Mas a ideia nasceu de um convite mais antigo, para uma actuação com a Orquestra do Algarve, em 2007. Nessa altura, Joana, o seu irmão Pedro Amendoeira (guitarra portuguesa), Pedro Pinhal (viola de fado), Paulo Paz (contrabaixo) e Filipe Raposo (acordeão) encontraram-se para ver que espectáculo poderia ser feito, com orquestra, a partir do reportório dela. "Depois desses arranjos, que o João Godinho fez, pensei com o Hélder [Moutinho, fadista e também seu editor] em fazer uma versão adequada a esta formação."

O nome com que foi baptizado o grupo, Mar Ensemble, foi também ideia dela: "Pela ligação que o fado tem com o mar, enfim, toda a lenda do poema do José Régio: 'O Fado nasceu um dia,/ quando o vento mal bulia/ e o céu o mar prolongava,/ na amurada dum veleiro,/ no peito dum marinheiro/ que, estando triste, cantava.'"

Uma espécie de duende

Além de vários temas do seu reportório, o espectáculo tem ainda três fados originais: um com letra de Agostinho da Silva, que ela pediu a Paulo de Carvalho para musicar, "Meu amor que te foste sem te ver" (é um dos meus preferidos deste disco"), outro com letra da Vasco Graça Moura ("li um poema dele num livro editado pelo PÚBLICO e escolhi-o para um fado tradicional, o Fado Perseguição") e o terceiro escrito por ela.

"Tinha uma primeira letra que escrevi e quis estrear, com música de Carlos Manuel Proença, 'Na ilusão de uma saudade'. Foi uma estreia, mas neste momento estou a escrever mais. Escrevo muito raramente mas neste momento tenho escrito várias coisas. Surgiu assim, sem forçar. Também teve a ver com o contacto com os músicos, que me mostram as suas músicas, e isso inspirou-me a criar novos fados a partir do que ouço. Experimentei e comecei realmente a sentir a métrica da música, as notas."

Além do "núcleo duro" do espectáculo, como Joana lhe chama (os dois Pedros, Paulo e Filipe), estão no palco um quarteto de cordas e outro de sopros, com arranjos de João Godinho, adaptando os fados a esta formação. "Somos 13 ao todo, em palco, e é assim que contamos percorrer o país." Em Lisboa, já marcaram encontro. Será no Teatro de São Luiz, a 11 de Abril de 2009. Ao estrangeiro irá uma formação reduzida.

"Foi uma noite espectacular, foi mesmo um privilégio", diz Joana Amendoeira. "Só no final é que houve vento." Cantar ao vivo tem, para ela, um prazer acrescido. "Gosto muito desse lado, que não se pode perder no fado, que é o da espontaneidade. É isso que torna mágico cada momento, nós interiorizarmos a música e o poema." É assim hoje como será assim daqui a dez anos, diz a fadista. "Porque haverá uma certa selecção. Neste momento há um enorme 'boom', há vários projectos que se dizem de fado e que vão ser peneirados pelo público. Uns ficarão pelo caminho, outros continuarão. E felizmente há um público que se irá manter também: jovens de 16, 17 anos, que vêm ter comigo, que vão às casas de fados, aos espectáculos, que nos acompanham."
O que será essencial ao fado para que continuemos a chamar-lhe fado? "É difícil de explicar, mas sente-se. É mais do que uma fórmula, é um mistério. Mas eu penso que a guitarra portuguesa deve estar, sempre, num projecto de fado. De resto, é sentimento. Como diz um dos poemas que eu canto: 'O fado não se ensina/ não se aprende/ é uma espécie de duende/ que domina a nossa alma.' E sem nós sabermos porquê."

Crítica Ípsilon por:
Nuno Pacheco

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Gravado ao ar livre, no lisboeta Castelo de São Jorge.
Se "À Flor da Pele", de 2006, era já o melhor disco de Joana Amendoeira até à data, aquele onde a sua voz mostrava maior maturidade e melhores colorações, esta gravação ao vivo, que dele herda nove em 13 temas, constitui um marco decisivo na sua carreira.
Gravado ao ar livre, no lisboeta Castelo de São Jorge, tira bom partido de uma formação inusitada no fado (à guitarra portuguesa e à viola junta contrabaixo, acordeão e naipes de cordas e sopros) para dar nova alma a um reportório digno de apreço. Os arranjos são, na sua maioria, muito bem conseguidos (oiça-se, por exemplo, a sequência onde o acordeão de Filipe Raposo abre caminho aos sopros e estes à guitarra, em "Lisboa, amor e saudade", de José Luís Gordo) e a voz de Joana mostra-se particularmente expressiva, como se comprova, a título de exemplo, em "Saudades do futuro" ou na sequência "Se eu adivinhasse que sem ti" e "Na ilusão de uma saudade". O DVD, que mostra as 19 canções no mesmo alinhamento do CD tirando "Trago fados nos sentidos", que surge como bónus (a preto e branco), permite chegar mais perto do ar que se respirou nessa noite. Uma grande noite de fado, com um registo que lhe faz plena justiça.

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