quarta-feira, junho 04, 2008

Entrevista à Revista «Bons Vícius»(Edição Maio/Junho)


Viciado de Culto
Joana Amendoeira: “Quando estou a cantar fecho os olhos e esqueço-me de mim”
Escrito por Andreia Barros Ferreira

Aos 25 anos, mas já cinco álbuns gravados, Joana Amendoeira há muito que deixou de ser uma promessa para ser antes uma certeza no fado. De olhos grandes e voz doce, a fadista fala em “paixão” pelo fado e pela poesia, da sua mudança para Lisboa para viver o ambiente das casas de fado e revela que o próximo disco de originais terá letras suas – antes há ainda tempo para o lançamento de um disco ao vivo, que será gravado na Festa do Fado, em Junho, e editado no final de Setembro. E fecha os olhos porque é assim que se transcende sempre que canta o fado. “É uma necessidade quase como respirar, como viver”, afirma.

A Joana tem 25 anos, é considerada uma fadista da nova geração, mas canta fado de forma tradicional. Não há aqui uma contradição?
Não, porque há muitos jovens que gostam de preservar a tradição. Há também novo público, novos músicos. Felizmente que há pessoas, a nova geração de fadistas, que não querem inovar só por inovar, mas também se preocupam em preservar a tradição. Acho que é muito importante este lado de pesquisar músicas muito antigas e dar-lhes uma nova vida, novos poemas. Gosto muito desta forma de encarar o fado, apesar de também cantar novas composições, até porque também é muito importante trazer um novo repertório para o fado.
Tinha 12 anos quando ganhou a Noite do Fado, no Porto. Aos 15 anos gravou o seu primeiro disco, Olhos Garotos. O fado não era uma forma muito pesada de expressão musical para aquela idade?
Os fados que gravei naquele disco estavam de acordo com a minha idade. Claro que se fosse cantar o Povo que lavas no rio, ou outro do género, realmente seria muito pesado e não faria sentido. Mas felizmente tive pessoas que me acompanharam desde o início quando comecei a cantar – tinha 11 anos – e que me foram dando dicas.
Ajudou-a também a crescer de forma diferente e a ser hoje uma mulher diferente?
Sempre fui um pouco mais madura do que a idade que tinha e que tenho. Ainda hoje em dia sinto-me um pouco mais madura.
Desfasada?
Não desfasada porque penso que tive uma infância normal. Fiz tudo o que os meus amigos também faziam: sair à noite, ir ao cinema, a discotecas ou a bares. Apenas tinha uma necessidade de cantar, de estar num ambiente tão intimista e tão mágico como é o do fado. E também me fez tomar atenção à poesia, às palavras, à mensagem do fado. E por isso estou-lhe também muito grata, porque sinto que ele contribuiu muito para este meu crescimento.
Ouvia-se fado lá em casa?
O fado despertou em mim aos seis anos, foi uma surpresa para todos.
Os seus pais estavam ligados à área?
Não, ouviam muito fado em casa e gostavam muito do Carlos do Carmo, da Amália, do Nuno da Câmara Pereira (que teve também um grande sucesso nos anos 1980), e eu ouvia. Penso que despertou aí. Quando comecei a cantar, os meus pais notaram que eu tinha um requebro diferente na voz. Incentivaram-me, ajudaram-me e apoiaram-me sempre muito. E o meu irmão Pedro, que toca guitarra portuguesa, inscreveu-me na Grande Noite do Fado de Lisboa.
Como foi participar naquela Grande Noite do Fado, estava nervosa?
Tinha 11 anos, nunca tinha cantado com microfone, e perante um coliseu é sempre uma emoção muito grande. Poder ver os outros fadistas, grandes referências - porque nessas noites, para além dos concorrentes, vão muitos convidados - foi muito estimulante para uma criança de 11 anos. Depois no Porto tive então esse primeiro prémio.
A Joana de hoje que gravou À flor da Pele é muito diferente da Joana de Olhos Garotos?
A voz teve o seu crescimento natural, mas toda a minha visão do fado é muito mais profunda. O fado é vida, crescimento e amadurecimento. Daqui a 10 anos com certeza que serei outra pessoa e outra fadista, tendo sempre em conta o meu passado, mas esperando amadurecer cada vez mais.
Os críticos dizem que a Joana é uma das poucas fadistas que diz bem as palavras. Esforça-se no sentido de transmitir exactamente o que a letra diz?
Isso é fundamental, é conseguirmos passar a mensagem, tocar no coração das pessoas para que elas entendam bem as palavras e sua intenção. É conseguir arrepiar, arrepiarmo-nos a nós próprios quando estamos a cantar e esquecermo-nos de nós. Quando estou a cantar fecho os olhos exactamente por isso, porque me esqueço de mim e vou para outra dimensão. E aí acontece magia!
Arrepia-se quando canta?
Há momentos em que me arrepio por todo o envolvimento, não só por cantar. São os músicos, o público. Toda essa ligação é muito importante e é a verdadeira magia do fado. Quando isso acontece é uma coisa fantástica.

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